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O Manifesto

PROFESSORES DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO (UNIFESP) 

REPUDIAM FALA GOLPISTA E GESTÃO DESASTROSA DO MINISTRO WEINTRAUB

  

Ao Congresso Nacional

Aos órgãos de imprensa

Às entidades dos profissionais da Educação

Por determinação do ministro do STF, Celso de Mello, como parte do andamento do Inquérito 4831, foi revelado quase integralmente o registro da reunião ministerial de 22 de abril, causando estarrecimento, indignação e preocupação em todos os brasileiros e brasileiras comprometidos com a defesa da democracia. Como docentes da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), causou-nos particularmente vergonha e apreensão a fala do ministro Abraham Weintraub, por ser ele servidor da mesma instituição em que trabalhamos, mas, especialmente, por, com essa fala, somar-se à escalada de atos e declarações proferidas por membros do governo e seus apoiadores, anunciando disposição de promover ruptura institucional e estabelecer um regime autoritário.

Como já é sabido, o ministro afirmou: "Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF". E prosseguiu: "Eu percebo que tem, assim, tem o jogo que é jogado aqui, mas eu não vim para jogar o jogo. Eu vim para lutar." Seria mais uma bravata, se na mesma reunião, o presidente Jair Bolsonaro não tivesse confessado ser promotor do armamento da população para que possa defender "sua liberdade" contra os governadores e se o mesmo não tivesse participado de manifestação em 19 de abril, Dia do Exército, em frente ao QG do Exército, clamando pelo fechamento do Congresso e pela decretação de um "novo AI-5".

Em decisão proferida em 22 de maio, o decano do STF avaliou que o pronunciamento do ministro Weintraub "põe em evidência, além do seu destacado grau de incivilidade e de inaceitável grosseria, que tal afirmação configuraria possível delito contra a honra (como o crime de injúria)". Além disso, o plenário do Senado Federal decidiu, em 25 de maio, convocar o ministro Weintraub para explicações sobre seu discurso autoritário.

A fala do ministro na reunião de 22 de abril é reveladora do porquê do fracasso de sua administração: o critério de sua escolha e manutenção no cargo, apesar do rechaço unânime da opinião pública a seus 12 meses de mandato, não recai sobre sua experiência ou qualidades como gestor, docente ou intelectual comprometido com qualquer projeto educacional, mas sim sobre seu compromisso com os grupos radicais de direita, dentro e fora do governo, com destaque para a família Bolsonaro, que acalentam o desejo de marchar sobre o STF, prender ministros e voltar aos tempos infames do AI-5.

Por tudo isso, é importante esclarecer que nenhum dos valores, critérios e projetos implementados pelo Ministro da Educação foi aprendido em sua rápida passagem pela Unifesp. Concursado em abril de 2014, afastou-se em outubro de 2018 para participar da campanha do então candidato Jair Bolsonaro à Presidência da República, não tendo mais retornado à Universidade. Não teve tempo, sequer, para familiarizar-se com os valores da educação pública, da pesquisa, da extensão, nem com os ritos da administração, já que não exerceu qualquer função de chefia, não participou de grupos de estudo, não foi eleito para os órgãos colegiados para os quais concorreu (candidatou-se à representante docente para a Congregação do campus Osasco em 2017), não liderou nem integrou-se qualquer projeto de Extensão universitária.

É motivo de grande preocupação que pessoas sem qualquer qualificação específica estejam sendo nomeadas para ministérios ou órgãos da importância do Iphan, do Ministério da Saúde, da Secretaria da Cultura, dentre tantos outros. É forte a sensação de que está em curso um projeto de ou derrubar o Estado Democrático de Direito pela força, em um só golpe, ou enfraquecê-lo pouco a pouco por dentro.

 

Por tudo isto, vimos a público manifestar que o ministro Weintraub não nos representa e que rejeitamos sua gestão pelos seguintes motivos:

Desinteresse e incompetência em defender e em encaminhar políticas de fortalecimento da educação pública

* Até 30 de maio, o MEC não homologara o parecer aprovado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) em 28 de abril, com diretrizes à educação durante a pandemia, gerando insegurança nas redes de ensino, segundo avaliação de Fred Amâncio, vice-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação;

* A Pasta ausentou-se dos debates no Congresso Nacional concernentes ao Fundeb (Fundo Nacional da Educação Básica), que representa 40% dos recursos da área;

* O único projeto que concebeu para as universidades foi o "Projeto Future-se", rechaçado pela maioria das universidades e institutos federais (68%), pela grande parte da sociedade, do Congresso Nacional e dos especialistas em educação pública. Apresentado ao público em 17 de julho de 2019, o referido projeto só foi encaminhado à apreciação da Câmara Federal em 27 de maio de 2020, logo após a circulação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril de 2020, sob a qual ocorreu a determinação do STF em convocar o ministro da Educação a prestar esclarecimentos à Policia Federal sobre a defesa de prisão dos magistrados do Supremo Tribunal Federal;

* As notas do Enem de 2019 foram divulgadas com erros, prejudicando milhares de estudantes; ministro se posicionou contra adiamento do Enem mesmo diante de amplo apelo de alunos das escolas públicas, privados de aulas no isolamento social da pandemia da Covid-19;

* Os valores recuperados da Lava-Jato (1 bilhão de reais) e destinados ao MEC não foram aproveitados porque o Ministério não foi capaz de apresentar projetos para a Educação Básica;

* Não houve avanços na implementação da Base Nacional Comum Curricular, na expansão do Ensino Médio em tempo integral e nem das determinações do Plano Nacional de Educação;

* Em 2019, 8% das bolsas de pesquisa foram cortadas, com incidência de 17% na área de Humanas;

* Desprezo expresso aos direitos e aos povos indígenas previstos na Constituição Federal, durante a reunião de 22 de abril, expressando vontade de negar o direito ao reconhecimento das nações e povos indígenas, o que se revela impeditivo da coordenação nacional das políticas de Educação Escolar Indígena de competência do Ministério da Educação (decreto nº 26, de 1991), responsável por fomentar os processos educacionais formais que devem reconhecer que os povos indígenas têm direito a uma educação escolar diferenciada e intercultural (decreto nº 6.861, de 2009), bem como multilíngue e comunitária seguindo o que diz a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB);

* Declaração de controle de conteúdos em livros didáticos de 2020 censurando temáticas de gênero e diversidade sexual, incentivando denúncias via call center com apuração pelo MEC e Ministério da Mulher. Esse fato se contrapõe à decisão do STF em ação de proibição à censura de veiculação de materiais e informações na educação que contenham as temáticas de gênero e diversidade no intuito de garantir os artigos 3º, 5º, 19, 206 e 214 da Constituição Federal, bem como a seus princípios gerais de progressiva promoção dos direitos humanos.

Gastos desnecessários com projetos inconsistentes

* Foram destinados R$ 2,5 milhões em publicidade sobre a nova ID Estudantil, carteira de estudante instituída por Medida Provisória que caducou por não ter sido votada no Congresso Nacional.

Apoio a medidas autoritárias

* O governo federal emitiu a MP 914 em 24 de dezembro de 2019, alterando os ritos para eleição e nomeação de dirigentes das universidades e institutos federais e do Colégio Pedro II. A MP atenta contra a autonomia universitária, vedando consultas informais em que os votos de docentes, discentes e técnicos administrativos tenham o mesmo peso; proíbe a reeleição de reitores; descompromete o presidente da República com a nomeação do candidato mais votado em listas tríplices para reitor; determina que o reitor nomeie seu vice depois de eleito, vedando o lançamento de candidaturas simultâneas a reitor e vice; elimina a escolha dos diretores de campus pela Congregação, atribuindo ao reitor esta prerrogativa;

* O Ministério está comprometido com o projeto de conversão de 54 escolas para o modelo cívico-militar em 2020, destinando um orçamento de R$ 54 milhões para o pagamento de militares;

* Foi criado, em novembro de 2019, em conjunto com o Ministério dos Direitos Humanos, dirigido pela ministra Damares Alves, um canal para que pais de alunos possam denunciar professores que atentam contra "a moral, a religião e a ética da família".

Aparelhamento do Ministério da Educação por representantes da iniciativa privada e por personalidades alheias ao meio científico

* Benedito Guimarães Aguiar Neto, nomeado para a presidência da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), ex-reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, é conhecido por defender as teses do criacionismo, opondo-se à teoria da evolução darwinista;

* Em novembro de 2019, foi autorizada pela Capes a abertura do curso de doutorado em Medicina Veterinária da Universidade de Santo Amaro (Unisa), atendendo a pedido de Antonio Veronezi, empresário e controlador da mesma, amigo de Onyx Lorenzoni e Abraham Weintraub, apesar do indeferimento do Conselho Técnico e Científico da Capes e mediante modificação da documentação do pedido inicial, o que obrigaria a apresentação de um novo projeto, segundo regulamentação da própria Capes;

* Foi nomeada para a Diretoria de Supervisão da Educação Superior (DISUP), responsável pela regulação e supervisão das instituições de ensino superior, uma advogada comprometida com a defesa dos interesses de grandes empresas privadas na área de educação, Kathleen Ferrabotti Matos.

Comportamento inadequado ao cargo

* Dezessete deputados e dois senadores entraram junto ao STF com pedido de impeachment do ministro por crime de responsabilidade, sob argumento de que "apresenta eloquente ineficiência na gestão e feriu a dignidade e decoro do cargo". O pedido foi indeferido pelo ministro Ricardo Lewandowsky, por considerar que apenas a Procuradoria Geral da República pode encaminhar pedidos desta natureza;

* A Comissão de Ética da Presidência da República decidiu, por unanimidade, advertir o ministro por infringir o artigo 3 do Código da Alta Administração Federal, que impõe respeito ao decoro do cargo, ao comparar os ex-presidentes Lula e Dilma Roussef a "substância entorpecentes";

* O ministro acusou, em entrevista concedida em novembro de 2019 à imprensa nacional, a existência de supostas "plantações extensivas de maconha" nas instituições e disse que laboratórios universitários seriam usados na produção de drogas sintéticas. Em 11 de dezembro de 2019, o ministro reafirmou, em audiência na Câmara Federal, que universidades federais são locais de plantações de maconha, abrindo uma discussão acalorada com parlamentares e a comunidade acadêmica. Segundo seu depoimento, "as plantações de maconha são reflexo de um consumo desenfreado nas universidades". A declaração foi dada na convocação do ministro na Comissão de Educação da Câmara para explicar ataques recentes feitos a universidades federais. Reportagem do jornal Folha de São Paulo mostrou que casos apontados pelo ministro não têm relação com universidades;

* Em sua conta pessoal no twiter, o ministro qualificou a mãe de um internauta de "égua sarnenta e desdentada", após o internauta ter criticado sua defesa da Monarquia em 15 de novembro de 2019, dizendo que o ministro seria nela o "bobo da corte", caso fosse restabelecida;

* Em julho de 2019, o Escritório de Integridade Acadêmica da Unifesp pronunciou-se sobre requerimento apresentado pelo deputado federal Alexandre Padilha sobre prática de "autoplágio" pelo ministro (publicação do mesmo artigo em duas revistas científicas diferentes como se fossem inéditos), concluindo que tal conduta "não é adequada e contraria as boas práticas de pesquisa científica";

* Em abril de 2020, o embaixador da China no Brasil qualificou como "fortemente racista" a manifestação do ministro Weintraub associando a origem da Covid-19 a uma conspiração promovida pelo governo chinês em um twiter de 4 de abril, no qual o personagem Cebolinha foi usado para fazer chacota com o sotaque de chineses ao falar português.

Esta sequência de fatos atesta o despreparo e inoperância do ministro Weintraub para o exercício do cargo e a destinação desta importante área do poder executivo para a articulação deliberada de crises institucionais com vistas a uma ruptura da ordem democrática.

#NãoNosRepresenta

1º de junho de 2020.

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